“Numa
palavra, a ‘deficiência’ lembra-nos da nossa própria fragilidade e
vulnerabilidade, e traz-nos de volta para o mundo cotidiano, fazendo-nos
acordar do sonho ilusório de uma vida perfeita.” (Juvenal Savian)
Muitos anos
se passaram antes que pudesse entender a nocividade da culpa. Embrenhando-me
nos lugares vazios da alma, consegui reconhecer a presença de fardos
silenciosos, abandonados sob o escuro. Arrisquei e me misturei a eles para
entender, na condição de intérprete, o quanto o passado pode nos iludir e
aprisionar.
Eu sei.
Sentir remorso participa do aprendizado, embora não seja errado errar. Mas o
remorso só tem uma função: servir de aviso, ou seja, nos alertar que algo está
errado e reivindica correção. Nada mais. Além disso, a culpa, considerada por
muitos como um nobre sentimento, pois nascida do remorso, na verdade, é mais
apta a nos corroer do que educar.
Uma vida boa
exige trabalho árduo e inspiração. Mas, com um mínimo de reflexão, logo
reconhecemos que as lembranças brutas, enraizadas nas culpas, podem colapsar a
razão e atrasar o processo evolutivo. Com isso, liberar-se do status de culpado
é requisito essencial para a transformação de algo menor (sentimento de
inércia) em algo maior (força criativa). Isso é pessoal e necessita ser
realizado para que o entusiasmo e a gratidão pela vida tomem lugar no existir.
Para ver o
mundo pelos olhos de um aprendiz, temos que cultivar o descostume do
julgamento, desembaraçar-se das concepções obtusas da realidade e, com isso,
vencer o comportamento neurótico, adestrado para medir, avaliar,
condenar.
Uma atitude
que dialoga com o erro ajuda o indivíduo a investir no cuidado com a alma e com
a vida de relação. Ainda, essa atitude pressupõe abrir mão do hábito antigo de
castigar-se para, em outra direção, admitir os próprios erros e seguir em
frente procurando melhorar.
Em certo
sentido, e não seria ousado dizer isso, o mundo se modifica sempre que um de
nós expande a consciência e se trata com mais bondade. Com isso, o trabalho
individual depende da aceitação de um fato simples: não somos coerentes e pôr
uma etiqueta moral de ruindade em nós mesmos só serve para retardar nosso
caminhar. Logo, não conheço ninguém que consiga respeitar seu próximo sem antes
se respeitar, o que exige amor próprio em primeiro lugar.
A mudança é
a base da existência. E todos nós passamos pelo processo de evolução e
diferenciação; se cometemos equívocos, são eles que servirão de matéria-prima
para os acertos futuros. Logo, perdoe-se, seja indulgente com aqueles que não
têm consciência e acredite: o ato de ser gentil (com si próprio e com o outro)
dá significado precioso à vida.
Além do
mais, “os agoras” são sempre convites a uma interpretação amorosa da realidade,
porém somente se alinhada a uma regra simples: viva a vida com o coração
aberto, pois é dele que o amor e as alegrias são emanados – sentimentos felizes
que nos possibilitam celebrar a existência para, em lugar de maldizê-la,
abençoar a si mesmo e aquele que passa.
Por Eugênia Pickina
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