Fé Racional

"Em lugar da fé cega que anula a liberdade de pensar, ele diz: Não há fé inquebrantável senão aquela que pode olhar a razão face a face em todas as épocas da Humanidade. À fé é necessária uma base, e essa base é a inteligência perfeita daquilo que se deve crer; para crer não basta ver, é necessário, sobretudo, compreender. A fé cega não é mais deste século; ora, é precisamente o dogma da fé cega que faz hoje o maior número de incrédulos, porque ela quer se impor e exige a adição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio." (O Evangelho Segundo o Espiritismo.)

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A Umbanda não é responsável pelos absurdos praticados em seu nome, assim como Jesus Cristo não é responsável pelos absurdos que foram e que são praticados em Seu nome e em nome de seu Evangelho. Caboclo Índio Tupinambá.

sábado, 23 de abril de 2011

Hoje é Dia de São Jorge - Ogum na Umbanda

Ogum - São Jorge
Ogum é um dos orixás mais populares no Brasil. Perdeu, todavia, os atributos de protetor da agricultura e da caça, que passaram a ser identificados exclusivamente com Oxóssi, e tornou-se conhecido sobretudo como deus da guerra, sendo sincretizado na Bahia com Santo Antônio de Pádua e nos outros Estados, especialmente o Rio de Janeiro, com São Jorge. Em função do sincretismo e da forte presença negra entre as tropas brasileiras, esses santos passaram a receber honras militares, o que incluía até mesmo patentes de oficial no Exército e na Marinha, com direito a soldo!

Cabe lembrar que os negros constituíam maioria entre os soldados e marinheiros que lutaram na Guerra do Paraguai. As tropas jamais deixaram de invocar a proteção de Ogum, seja diretamente ao orixá, seja na forma de São Jorge, o que talvez explique algumas expressões presentes nos pontos cantados, como Ogum jurou bandeira nos campos do Humaitá. A hipótese se torna ainda mais forte quando lembramos que Humaitá é o nome de uma localidade onde ocorreu uma das mais importantes batalhas daquela guerra, sendo ao mesmo tempo o nome atribuído à região do mundo invisível - o orum - que se acredita seja a morada de Ogum.


O Santo-Guerreiro vencedor de demanda
No que diz respeito ao culto dos orixás, a grande diferença entre o Candomblé, que preserva mais fielmente as raízes africanas, e a Umbanda, resultado do sincretismo com cultos cristãos e ameríndios, é que, nesta última, eles não são mais vistos como seres com atributos humanos, mas como campos de força impessoais que manifestam diferentes facetas da energia divina e dentro do qual atuam entidades dos mais diversos níveis evolutivos, em missões específicas. O Ogum da Umbanda não é mais o violento e destemperado guerreiro africano, que "come cachorro" e "lava-se com sangue". Transforma-se no guerreiro divino, empenhado no combate ao mal, e no vencedor de demandas, que apóia os homens em momentos de dificuldade. Na Umbanda Popular, a identificação de São Jorge com Ogum é uma constante. A própria aparência do orixá se modifica: em vez do akorô, o capacete; em vez do mariuô, o manto e o escudo de guerra.


Nos pontos cantados, o simbolismo de Marte
Os pontos (cantigas litúrgicas) dedicados a Ogum revelam, para além da simplicidade e trivialidade de seus versos, um sentido alegórico mais amplo, que tanto remete aos fundamentos da cosmovisão afrobrasileira quanto a inesperadas conexões astrológicas, como veremos a seguir. Analisemos alguns pontos:

Ô Jorge, Ô Jorge,
vem de Aruanda
pra salvar os vossos filhos
no terreiro de Umbanda.
Ogum, Ogum,
Ogum meu pai,
o senhor mesmo é quem diz:
filho de Umbanda não cai.

Aqui, como em muitos outros pontos, Ogum aparece identificado com São Jorge, o santo guerreiro do catolicismo. O simbolismo, aliás, não poderia ser mais adequado: São Jorge veste uma armadura de guerra (a proteção necessária para atuar em ambientes inferiores) e monta um cavalo branco (as forças da matéria e o lado animal da personalidade, já purificados - por isso a cor branca - e colocados a serviço de desígnios elevados). Utiliza a lança e a espada (um símbolo do direcionamento da energia) e consegue vencer o dragão (as forças das trevas).

Jorge, ou melhor, Ogum, vem de Aruanda - termo banto que significa céu ou plano espiritual - para ajudar seus filhos.


Ogum Yara, ou a união do Fogo e da Água

Se meu pai é Ogum
vencedor de demanda
ele vem de Aruanda
pra salvar filhos de Umbanda.
Ogum, Ogum Yara,
salve os campos de batalha,
salve as sereias do mar,
Ogum, Ogum Yara.

Os quatro primeiros versos confirmam as mesmas idéias já expressas nos pontos anteriores, acrescentando mais uma: a de Ogum como vencedor de demandas.

Demanda é termo muito utilizado em terreiros, significando luta entre orixás (que, no plano mítico, representavam as lutas tribais entre nações africanas) e, num sentido mais amplo, desentendimentos, conflitos, obstáculos colocados intencionalmente no caminho do indivíduo e agressões de toda espécie (inclusive as de natureza psicológica ou energética).

A expressão salve os campos de batalha pode causar uma certa estranheza, por sugerir, à primeira vista, um elogio à violência. Refere-se, entretanto, à própria vida, um campo de batalha onde os homens lutam permanentemente para vencer suas tendências inferiores. Como disso depende o crescimento espiritual, a luta é considerada bem-vinda e necessária.

A cultura afrobrasileira, à semelhança da Astrologia, faz referência constante aos quatro elementos da natureza, que seriam assentamentos da energia dos orixás. Por assentamento entenda-se um suporte material, que pode ser orgânico ou inorgânico, de estrutura simples ou complexa, que guarda uma relação de analogia, contigüidade ou semelhança de atributos com princípios de ordem não material, e que, por este motivo, servem de veículo à manifestação destes. Assim, por exemplo, a água dos rios, lagos e oceanos limpa, refresca, acalma, nutre e protege, guardando analogia direta com o modo de atuar de alguns orixás femininos também relacionados à nutrição, a proteção e ao apaziguamento, como as maternais Iemanjá, Oxum e Nanã.

Há orixás profundamente ligados ao elemento Terra e a seus valores, como a estabilidade e a prudência. É o caso de Obaluaiê e de Oxalufã, a manifestação "velha" de Oxalá. Outros identificam-se, no todo ou em parte, com o elemento Ar, como os que regem as florestas e o processo de fotossíntese (Oxóssi é um bom exemplo) ou associam-se com o movimento e a imaterialidade, como os ibejis (as crianças gêmeas), sincretizados no Brasil com os santos católicos Cosme e Damião. Já Ogum é o mais típico e mais puro representante do elemento Fogo. Entretanto, da mesma forma como, na carta astrológica, o regente de um signo de Fogo pode situar-se em signo de outro elemento (um Sol em Capricórnio ou um Júpiter em Libra), o orixá assume, nos mitos que o apresentam, nuances de todos os elementos e atributos de todos os princípios da natureza.

Yara é palavra tupi-guarani que significa senhor, proprietário. Ogum Yara é o Ogum que trabalha em associação com o orixá feminino Oxum, combinando a vibração purificadora do fogo com a das águas de rios e cachoeiras. O ponto faz ainda uma referência a Iemanjá quando fala das sereias do mar, tradução sincrética de entidades da mitologia africana que manipulam energias benéficas existentes no fundo dos oceanos.

O ponto pode ser entendido, então, como uma invocação ou pedido de ajuda a uma certa legião de Oguns, cujos integrantes são capazes de mobilizar, simultaneamente, energias pertencentes aos elementos Fogo e Água.


O sete e a varinha mágica de Ogum

Eu tenho sete espadas
pra me defender,
eu tenho Ogum
em minha companhia.
Ogum é meu pai,
Ogum é meu guia,
Ogum é meu pai,
venha com Deus
e a Virgem Maria.

Ogum tem estreita relação com o número sete, o que é explicado por duas lendas iorubanas. Na primeira, ele aparece como o guerreiro - filho de Odudua, rei de Ifé - que conquista a cidade de Irê e assume o título de Oni (senhor ou rei). Em torno de Irê havia sete aldeias, hoje desaparecidas. Por essa razão, acreditava-se que Ogum fosse composto por sete partes, uma para cada aldeia conquistada. Em iorubano, sete é mejê, de onde resultou a expressão Ogum Mejê (O Ogum que são sete, ou o Ogum composto de sete partes). É a ele, portanto, que o ponto é dedicado.

A outra lenda fala do casamento entre Ogum e Oiá. Ogum tinha uma vara mágica, feita de ferro (metal que lhe está associado), que tinha a propriedade de dividir em sete partes os homens e em nove partes as mulheres que tocasse. Em sua oficina de ferreiro, Ogum confeccionou uma vara igual e deu-a de presente a Oiá. Algum tempo depois, porém, Oiá fugiu com Xangô e foi perseguida pelo furioso marido traído. Quando se encontraram, entraram em combate com suas varas mágicas, dividindo-se Ogum em sete parte e Oiá em nove. Por isso ela é chamada de Iansã, termo composto de duas palavras iorubanas: ou Inhá (mãe) e messan (nove).

Se voltarmos aos mitos do Ares grego, vamos encontrar um de grande interesse. Ares estava sempre em combate com a deusa Atena (assim como Ogum e Oiá). Conta uma lenda que certa vez, ao rebater um golpe de Ares, Atenas tomou uma pedra negra e bateu com tanta força nas costas de Ares que este cambaleou e caiu de forma tal que seu corpo, na queda, cobriu uma área de oitenta e quatro pés quadrados. Ora, 84 é igual a 12 vezes 7. Trata-se de um simbolismo que retrata o percurso turbulento de Marte por todos os signos do zodíaco!

A espada está ligada ao orixá de três formas: por ser guerreiro e caçador, Ogum rege as armas em geral; por ser ferreiro, é fabricante de objetos de metal; e, finalmente, é o orixá regente do ferro, matéria-prima para a maioria das armas. Como símbolo, a espada representa a energia mobilizada e direcionada para cortar o avanço do mal. Basta lembrar uma outra lenda, criada num ambiente bem diferente do que estamos tratando: a história céltica do Rei Artur que, munido da espada mágica Excalibur e sob a orientação de um iniciado, o Mago Merlin, combate as forças malignas acionadas por temíveis feiticeiros. Excalibur é o instrumento do combate da magia branca contra a magia negra. A espada de Ogum tem o mesmo significado.

Cabe observar também que o ferro é o elemento químico essencial para a formação dos glóbulos vermelhos. Da mesma forma como sua carência torna o indivíduo anêmico, a carência da raiz energética de Ogum cria uma espécie de anemia espiritual, ou seja, uma falta de coragem e de disposição para lutar pelo próprio desenvolvimento. É por causa dessa função revitalizadora que Ogum é apresentado nos mitos africanos como o orixá que vem na frente, o pioneiro na tarefa de descer à Terra e acordar os homens. Trata-se, evidentemente, de uma função típica de Áries e Marte.

O orixá mostrado neste ponto não é, certamente, o guerreiro selvagem e violento de alguns mitos iorubanos: é um campo de energias poderosas, mas a serviço de desígnios superiores (ele vem com Deus) e movida pela compaixão com os que sofrem (ele vem com a Virgem Maria).


      Ogum ressurge como São Jorge

Ogum, erga a sua espada,
levante a sua lança
para nos defender.
Nos dê proteção com seu escudo
toda vez que o inimigo nos aborrecer.
Nos cubra com o seu sagrado manto,
sua bandeira tão gloriosa (...)
Atire as patas do seu cavalo
contra o dragão e a serpente venenosa (...)

Típico produto da Umbanda Popular, já distante de qualquer influência africana, o ponto apresenta Ogum na forma sincretizada de santo guerreiro (a bandeira e o manto não são atributos de Ogum, mas de São Jorge). A letra, de cativante ingenuidade, mostra os sentimentos do povo brasileiro em relação ao seu orixá: ele é o herói mítico, o paladino que vem em defesa daqueles que enfrentam as forças do mal.

Nas práticas mais primitivas do sincretismo afrobrasileiro, Ogum muitas vezes é invocado como se fosse uma espécie de guarda-costas celeste, um orixá que, se devidamente agradado, tomará partido em favor do filho de fé e voltará sua fúria contra os inimigos. Essa visão simplista está presente, por exemplo, no comportamento do personagem principal do filme O Amuleto de Ogum, de Nelson Pereira dos Santos, um marginal que recorre à ajuda de um terreiro para que Ogum lhe feche o corpo contra as balas dos inimigos.

As concepções mais elaboradas, entretanto, não vêem o orixá como um ser a serviço dos interesses do homem, nem disposto a tomar partido em seus conflitos. Em essência, as lutas de Ogum processam-se dentro da própria alma, que traz simultaneamente o dragão e a serpente das tendências inferiores assim como o germe da Divindade. Invocar Ogum significa ativar as energias vitais que estão adormecidas na alma, despertar a parcela divina presente em cada ser humano e mobilizar a força necessária para avançar.


A Lua como campo de batalha

Cavaleiro supremo,
mora dentro da lua.
Sua bandeira divina,
manto da Virgem pura.

A lenda de São Jorge, que não tem qualquer origem no culto dos orixás, mas sim no Cristianismo Popular, atribui-lhe o domínio da Lua, onde ele estaria em permanente combate com o dragão. É interessante notar que o símbolo da Lua, do ponto de vista astrológico, não é o desenho da Lua Cheia, mas do Crescente, que é formado por dois semi-círculos. Enquanto o círculo - o Sol - representa o espírito enquanto instância permanente e perfeita, o semicírculo é a alma, ou seja, o espírito ainda submetido às experiências da evolução, aprisionado nas sombras da própria ignorância e no vendaval das paixões ainda não dominadas. A Lua não tem brilho próprio, apenas refletindo a luz do Sol. Da mesma forma, para tomar de empréstimo uma concepção do pensamento hinduísta, a alma que perambula nas experiências de aprendizagem expressa apenas um reflexo provisório de sua verdadeira identidade, que só brilhará de forma pura quando o espírito transcender o ciclo das reencarnações e alcançar os planos mais elevados da absoluta ausência de forma, no mental superior.

Há um ditado do Catolicismo Popular que afirma que Maria é o atalho para Jesus. Da mesma maneira, muitos astrólogos medievais viam a Lua como um caminho para o Sol, assim como, na concepção hinduísta, a vida sob o domínio da emoção e dos sentimentos é a etapa necessária para a vida no plano da criação pura. Voltando aos astrólogos da Idade Média, era comum em textos da época a referência ao mundo sublunar para falar da mutável e inconstante realidade terrena, em contraste com a atemporalidade da perfeição espiritual simbolizada pelo Sol. Em todas as religiões antigas, a Lua e o Sol constituem um casal divino, cujo melhor exemplo é o mito de Ísis e Osíris no Egito. No sincretismo afrobrasileiro, a associação é com Iemanjá e Oxalá, identificados, aliás, com Nossa Senhora e Jesus Cristo.

Mas por que razão Ogum, orixá de conotação nitidamente masculina, assim como São Jorge, santo militar e pertencente a um universo dominado pelos homens, surgem tão freqüentemente relacionados à Lua e aos orixás femininos das águas, como Iemanjá e Oxum? Há, pelo menos, duas explicações possíveis: em primeiro lugar, as demandas que Ogum enfrenta pertencem todas ao domínio das paixões inferiores, como o ódio, a inveja, o ciúme e o egoísmo. A Lua, cuja permanente mudança de fases bem representa a instabilidade da alma humana, é o campo de batalha onde os instintos precisam ser vencidos para que brilhe a natureza solar. Em segundo lugar, podemos lembrar o princípio da complementaridade dos opostos: masculino e feminino são polaridades que não podem existir de forma exclusiva, sem a complementaridade do outro pólo.

Ogum, que carrega consigo tantas qualidades positivamente masculinas, como a força, a coragem, a energia do fogo e a carga de agressividade necessária para qualquer realização, precisa do tempero da receptividade, da doçura, da paciência e da devoção, atributos femininos dos orixás das águas. Sem esse tempero, o resultado é desequilíbrio. Os mitos africanos, ao mostrarem um Ogum guerreiro, violento, destruidor e, ao mesmo tempo, incapaz de compreender a alma feminina (ele perde, sucessivamente, suas esposas para Xangô), não estão falando verdadeiramente do orixá, mas de sua manifestação imperfeita e desequilibrada no próprio ser humano. Na medida em que as qualidades precisam ser integradas e harmonizadas, os conflitos míticos entre os orixás dramatizam exatamente a luta por essa integração interior, na busca da totalidade psíquica.

O Ogum do sincretismo afrobrasileiro, que trabalha harmoniosamente associado a Oxum e Iemanjá, como demonstram os pontos, já expressa, pois, uma concepção mais integrativa do que aquela presente nas lendas iorubanas.

O ponto atribui uma característica feminina à bandeira de São Jorge: não é mais o estandarte de guerra, mas o próprio manto da Virgem. Em todos os pontos em que Ogum aparece associado ao princípio feminino, seja sob a forma da Virgem Maria, de Iemanjá ou de Oxum, o sentido é sempre o da força dirigida pela sabedoria, a energia de luta colocada a serviço da misericórdia. Trata-se de um belo simbolismo que reúne elementos das tradições cristã e iorubana.


          O Santo-Guerreiro nos quatro elementos

Em plena mata virgem
eu vi um cavaleiro
com seu cavalo branco
vindo da macaia.
É nas ondas do mar,
é no clarão da Lua.
Auê, vamos saravar Ogum Mejê,
Saravá Rompe-Mato,
Olha Ogum Beira Mar,
Ogum de Lei.

Macaia é palavra banta, originária do dialeto kikongo (do antigo Congo), significando folhas sagradas. Pode ser traduzida também por mata sagrada (o lugar da mata reservado à realização de rituais) ou, dependendo do contexto, por fumo. No ponto ora em análise, o sentido dos quatro primeiros versos é, então:

Eu estava na mata virgem (território de Oxóssi) quando vi surgir, vindo de seu local mais sagrado (um plano superior), São Jorge em seu cavalo branco (uma entidade de Ogum de grande elevação).

O sentido dos dois versos seguintes já foi explicado no ponto anterior: são as energias de Ogum que surgem mescladas às de Iemanjá.

No sétimo verso, surge a expressão auê, que vem do iorubano àwé, ou seja, meu amigo. É uma saudação amistosa dirigida a desconhecidos e utilizada para todos os orixás. Aparece também o verbo saravar, que é simplesmente o mesmo que salvar, ou saudar, no português estropiado falado pelos primeiros escravos bantos (A palavra é puramente brasileira e não tem nada de africana. Dizer Saravá! é dizer salve!). Em seguida, relacionam-se quatro diferentes manifestações do orixá: Mejê, ou o Ogum que são sete, ligado a Iansã; Rompe-Mato, ou aquele que trabalha ligado a Oxóssi e Ossãe; Beira-Mar, que atua em conexão com Iemanjá; e Ogum de Lei, cujo nome vem do iorubano Delé, o que toca o solo. É o Ogum ligado à terra, ao chão. No mesmo ponto, aparecem, pois, todas as forças da natureza, ou todos os elementos astrológicos:

Ogum Beira-Mar - Marte em signos de Água (Câncer e Peixes).

Ogum Mejê - Marte em signos de Fogo, especialmente Áries - é o Ogum do ferro e das armas, que troca energias com a também guerreira Iansã.

Ogum Rompe-Mato - Marte em signos de Ar, especialmente Libra (a ligação com Oxóssi, um princípio agregador e civilizador, com muitos atributos venusianos) ou Aquário (a conexão com Ossãe, orixá do conhecimento fitoterápico, com muitos atributos do espírito inventivo e científico associado a este signo).

Ogum Delé - Marte em signos de Terra e relacionados com sua natureza estabilizadora, como Touro.


Como o Brasil vive seu Marte
As tradições referentes a São Jorge e a Ogum começaram a firmar-se no Brasil ainda no período colonial, o que permite que procuremos o molde astrológico desses cultos no mapa-matriz de todo o período pré-independência: a carta do Descobrimento, que corresponde ao momento em que a esquadra de Cabral fez o primeiro avistamento da terra, ao largo da costa baiana, nas imediações do Monte Pascoal. Em outros artigos, já apresentamos uma versão retificada desta carta para as 16h53 LMT do dia 22 de abril de 1500, com o Ascendente em 28º48' de Libra e o signo de Escorpião interceptado na casa 1 (um signo interceptado é aquele que está totalmente contido dentro de uma casa e sem contato com sua cúspide, ou ponto inicial). A outra hipótese, defendida, por exemplo, por Raul Martinez, seria aquela de um Ascendente Escorpião para o mapa do Descobrimento. Em qualquer das duas versões, a casa 9 (crenças, religiões, ética) apresenta como único ocupante o planeta Marte, no primeiro grau do feminino e lunar signo de Câncer. Marte está em trígono exatamente com a Lua em Peixes, regente de Câncer, e com Urano no último grau de Aquário, posição muito próxima do Ascendente da carta da Independência, da qual este Urano é regente.

Marte em Câncer na casa das crenças e religiões já indica que, desde o alvorecer da formação do país, haveria de impor-se o culto a um princípio marciano - um "deus-guerreiro" - temperado pela natureza maternal da Lua. Do vasto conjunto de santos católicos, aquele que melhor preenchia tais características era exatamente São Jorge em sua concepção de "vencedor de demandas" sob a proteção do estandarte da Virgem Maria (o trígono com a Lua em Peixes). Esta Lua identifica-se também com Iemanjá, a divindade do estuário dos rios da Nigéria, que no Brasil transformou-se em Rainha do Mar (Peixes, signo da vastidão oceânica). A participação de Urano na configuração mostra que tais cultos - a Iemanjá, a Ogum, a São Jorge e a Nossa Senhora - tendiam (e ainda tendem) a gerar uma síntese criativa, apta a afastar-se cada vez mais dos modelos originais e a permitir a formulação de uma expressão religiosa própria, tipicamente nativa, mediante o livre aproveitamento de elementos das raízes européia, africana e indígena. Observe-se que Urano e Lua ocupam a casa 5, da criatividade e também dos afetos. A religiosidade brasileira está vocacionada para um desprendimento das amarras institucionais, ganhando uma dimensão intimista, libertária e afetiva. Aliás, cabe observar também que o Meio-Céu do mesmo mapa está em Câncer e que seu regente, a Lua, encontra-se em Peixes. Sendo dois signos aquáticos e femininos, não é de estranhar que o país tenha como padroeira (um sentido de casa 10) Nossa Senhora Aparecida, uma virgem negra cuja imagem foi encontrada no século XVIII por humildes pescadores no rio Paraíba, na mesma região onde hoje ergue-se a basílica de Aparecida do Norte.

Como toda configuração astrológica comporta expressões positivas e negativas, Marte em Câncer na 9 também fala de combate por questões religiosas e da agressividade com que a Igreja Católica se impôs em alguns momentos da vida colonial, em estreita associação com o poder dos administradores portugueses (trígono com a Lua, regente do Meio-Céu, ponto que simboliza a autoridade do governante). As conversões forçadas, as manifestações de intolerância religiosa e a violência contra índios e escravos em nome da fé também estão no escopo da configuração.

Mas a Igreja Católica teve na colônia, por outro lado, representantes de elevada estatura moral e profundo amor pela terra e sua gente. O exemplo mais evidente foi o do jesuíta José de Anchieta, um doce se bem que enérgico espanhol cuja dedicação a história registrou atribuindo-lhe o título de Apóstolo do Brasil. Anchieta tinha Marte no primeiro grau de Câncer ou nos últimos minutos de Gêmeos (nasceu em 19 de março de 1534, horário desconhecido) e, de todas as formas, em conjunção muito próxima com o Marte do Descobrimento e com a cúspide da casa 9 desta mesma carta. Anchieta utilizava o teatro e a música em seu trabalho de catequese - foi dramaturgo e compositor - o que corporifica outro sentido do trígono entre Marte na 9 e Lua-Urano na 5 na carta do Descobrimento: a associação entre arte e religiosidade durante todo o período colonial. Tal potencial realizou-se tanto através do Catolicismo dominante (basta pensar na arte sacra de Aleijadinho e do padre-compositor José Maurício) quanto dos cultos dos escravos, que resultaram em um manancial de referências estéticas até hoje explorado pela música popular, pela dança e pela pintura.


Conclusões
A simbologia astrológica fala de necessidades e de princípios universais, mas cada cultura cria suas próprias formas de manifestar o significado de signos, planetas e casas. Como as culturas são como organismos vivos, onde cada elemento ajusta-se aos demais e responde às necessidades de adaptação ao meio ambiente, as particularidades da formação cultural geram traduções de conteúdos astrológicos que não são absolutamente intercambiáveis, se bem que guardem analogias entre si. Assim, não há como tomar o panteão dos deuses da mitologia greco-romana e encontrar, para cada um, uma correspondência exata nas lendas da Europa cristã, ou na mitologia afro-ameríndia. A lenda de São Jorge, por exemplo, guarda ecos dos mitos relacionados ao Ares grego e ao Marte Romano, assim como os mitos de Ogum encontram ressonância na história do santo cristão. Todos expressam valores de Marte, mas sempre com nuances locais, que respondem às necessidades específicas da comunidade que os cultua.
O Brasil, em 500 anos de história, já elaborou suas próprias sínteses, que são tão ricas do ponto de vista simbólico quanto aquelas originárias da velha civilização grega. Neste sentido, entender o significado de São Jorge e de Ogum para o povo brasileiro é entender também como o princípio simbolizado por Marte é vivenciado nestas paragens tropicais.


Por: Fernando Fernandes.

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