"Era noite. Naquele tempo não tínhamos as
luzes da civilização. O gemido do negro no poste do martírio fazia com que
todos temêssemos por nossas vidas. Ninguém estava seguro. Sinhazinha era temida
por toda a negrada e muitas e muitas noites nós passamos ao relento, sem ao
menos ter a chance de dormir dentro das senzalas. Era o nosso castigo por
sermos negros. Quitéria era uma negra muito bonita e por causa dela todos nós
sofríamos.
Nas noites tristes das senzalas, ouvia-se o som dos
nossos tambores. Os tambores de Angola, nossa terra que talvez nunca mais
veríamos. Ah! Como era duro ser negro naqueles dias. Nosso destino era servir.
Servir até a morte.
Os tambores tocavam o ritmo cadenciado dos Orixás e
nós dançávamos.
Dançávamos todos em volta da fogueira improvisada
ou à luz de tochas ou velas de cera que fazíamos. A comida era pouca, mas para
passar a fome nós dançávamos a dança dos Orixás. E assim, ao som dos tambores
de nosso povo, nos divertíamos para não morrer de tristeza e sofrimento. Eu era
chamada de feiticeira. Mas eu não era feiticeira, era curandeira. Entendia de
ervas com as quais fazia remédios para o meu povo e de parto; eu era a parteira
do povo de Angola, que estava errando naquela terra de meu Deus. Até que Sinhazinha
me tirou do meu povo.
Ela não queria que eu usasse meus conhecimentos
para curar os negros, somente os brancos; afinal negro – dizia ela – tinha que
trabalhar e trabalhar até morrer. Depois, era só substituir por outro. Mas Dona
Moça não pensava assim. Ela gostava de mim e eu dela. Fui jogada num canto,
separada dos outros escravos e todas as noites eu chorava ao saber que meu povo
sofria e eu não podia fazer nada para ajudar. De dia descascava coco e moía
café no pilão.
À noite eu cantava sozinha, solitária. E ouvia o
cantar triste de meu povo de longe. Ouvia o lamento dos negros de Angola
pedindo a Oxalá a liberdade que só depois nós entendemos o que era. E os
tambores tocavam seu lamento triste, o seu toque cadenciado, enquanto eu respondia
de meu cativeiro com as rezas dos meus Orixás. A liberdade que era cantada por
todos do cativeiro, só mais tarde é que nós a compreendemos. A liberdade era de
dentro e não de fora.
Aqueles eram dias difíceis e nós aprendemos com os
cânticos de Oxossi e as armas de Ogum o que era se humilhar, sofrer e servir,
até que nosso espírito estivesse acostumado tanto ao sofrimento e a servir sem
discutir, sem nada obter em troca que a um simples sinal de dor ou qualquer
necessidade, nós estávamos ali, prontos para servir, preparados para trabalhar.
E nosso Pai Oxalá nos ensinou em meio aos toques dos tambores na senzala ou aos
chicotes do capitão, que é mais proveitoso servir e sofrer do que ser servido e
provocar a infelicidade dos outros.
Um dia, vitima do desespero de Sinhá, eu fui levada
à noite para o tronco enquanto meus irmãos na senzala cantavam. A cada toque
mais forte dos tambores, eu recebia uma chicotada até que, desfalecendo fui
conduzida nos braços de Oxalá para o reino de Aruanda. Meu corpo na verdade
estava morto, mas eu estava livre, no meio das estrelas de Aruanda. Em meu
espírito não restou nenhum rancor, mas apenas um profundo agradecimento aos
meus antigos senhores, por me ensinar com o suor e o sofrimento, que mais
compensa ser bom do que mau; sofrer cumprindo nosso dever do que sorrir na
ilusão; trabalhar pelo bem de todos do que servir de tropeço. Eu Era agora
liberta e nenhum chicote, nenhuma senzala poderia me prender, porque agora eu
poderia ouvir por todo o lado o barulho dos tambores de Angola, mas também do
Kêtu, de Luanda, de Jêje e de todo lugar. Em meio às estrelas de Aruanda eu
rezava. Rezava agradecida ao meu Pai Oxalá.
Assim a companheira Euzália, a querida Vovó
Catarina, contou a sua historia da época do cativeiro e a sua libertação do jugo
tirano.E continuando falou:
- Fui para Aruanda, lugar de muita paz! Mas eu
retornei. Pedi a meu Pai Oxalá que desse oportunidade pra eu voltar ao Brasil
pra poder ajudar a Sinhá pois ela me ensinou muita coisa com o jeito dela nos
tratar. E eu voltei. Agora as coisas pareciam mudadas. Eu não era aquela nega
feia e escrava. Era filha de gente grande e bonita, sabia ler e ensinava
crianças dos outros. Um dia bateu na minha porta um homem com uma menina
enjeitada da mãe. Era muito esquisita, doente e trazia nela o mal da lepra.
Tadinha ! Não tinha pra onde ir e o pai desesperado não sabia o que fazer.
Adoptei a pobre coitada, fui tratando aos poucos e quando me casei, levei a
menina comigo. Cresceu, deu problema, mas eu a amava muito. Até que um dia ela
veio a desencarnar em meus braços, de um jeito que fazia dó. Quando eu retornei
pra Aruanda, o que vocês chamam de plano espiritual, ela veio me receber com os
braços abertos e chorando muito, muito mesmo. Perguntei por que chorava, se nós
duas agora estávamos livres do sofrimento da carne, então ela transformando-se
em minha frente, assumiu a feição de Sinhazinha! Ela era a minha Sinhá do tempo
do cativeiro.
E nós duas nos abraçamos e choramos juntas. Hoje,
trabalhamos nas falanges da
Umbanda, com a esperança de passar a nossa
experiência pra muitos que ainda se encontram perdidos em suas dificuldades.
A historia de Euzália era um verdadeiro poema de
amor. Com certeza aquele espírito bondoso alcançou uma força moral tal que lhe
facultou oportunidade de dirigir aquele agrupamento fraterno."
Esta
história foi retirada do Livro Tambores de Angola, de autoria de Robson Pinheiro e publicado
pela Editora Casa dos Espíritos.
MINHA MADRINHA MINHA MÃE E PROTETORA SEMPRE ESTEVE COMIGO E ESTARA PARA TODO SEMPRE DES DE ARUANDA COMO JA ME CONTOU FICO ONRRADO E MUITO ALEGRE E FELIZ EM SABER QUE UM ESPIRITO ILUMINADO COMO ESTE SEMPRE CUIDOU DE MIM ASSIM COMO PAI ANTONIO E PAI FRANSCISCO.
ResponderExcluirSALVE VÓVÓ CATARINA
Salve Deus
ResponderExcluirSalve vovo catarina, este ser d tanta luz q conheci ontem. Obg vovo, eu voltar sim e tentar melhorar.
Tb amo a senhora, com a graça de Deus, com a graça de Deus como a senhora fala :)