
Vovó Maria Conga da Bahia
Era  dia de sessão e como sempre Marcelo chegou na parte da manhã para fazer  algo que amava, limpar o terreiro. O dia mal amanhecia e ele já pulava  da cama, contente e feliz pela oportunidade de ser útil.
O  silêncio do terreiro vazio o tranqüilizava. A empresa que ele trabalhava  vinha atravessando sérios problemas e essa semana havia sido em  especial desgastante, as demissões prometidas haviam começado. Ver  colegas de trabalho, chefes de família serem demitidos o deixou muito  tenso e entristecido, mas tal qual passe de mágica tudo isso ficou além  do portão de entrada do terreiro. Era dia de gira e ele estava feliz  novamente! Sabia que suas energias seriam repostas para enfrentar mais  uma semana dura de trabalho. Ele não tinha obrigação de fazer isso, mas  fazia porque sentia prazer e alegria, e gostava de ir cedo justamente  para poder ficar sozinho e limpar tudo no seu ritmo. Não fazia isso para  "aparecer", como alguns diziam e pensavam, mas porque gostava de  trabalhar sozinho.
Começou a faxina. Lavou o chão, regou  plantas, lavou banheiros, tirou poeira das imagens, limpou os  ventiladores e enquanto fazia a limpeza, cantarolava pontos dos orixás.  Conseguiu ficar com a mente vazia.
Quando estamos fazendo  algo que gostamos nem sentimos o tempo passar e a hora corria célere.  Deu-se conta disso quando seu estômago "roncou" de fome. Olhou para o  relógio do terreiro e viu que já passava do meio dia. Triste por não ter  dado tempo de limpar os vestiários pensou que algum irmão da corrente  poderia fazê-lo quando chegasse.
Assim, trancou o terreiro e foi para casa.
Lá  chegando tomou um bom banho, almoçou e deitou-se no sofá da sala para  tirar uma soneca, pois sentiu que seu corpo precisava. Dormiu.
No  terreiro a movimentação de pessoas se intensificava. Duas médiuns que  chegaram mais cedo viram que o terreiro estava limpo, mas que os  vestiários não estavam. Sem pronunciar palavra, pegaram vassouras e  rodos e começaram a limpeza. Francisco chegou bem na hora em que isso  acontecia. Olhou de rabo de olho e falou:
- É isso que eu  vivo falando! Se não pode ou consegue fazer tudo é melhor não fazer  nada, assim já sabendo disso chegamos com disposição prá limpar o  terreiro. Agora que estou de banho tomado e pronto prá sessão vou ter  que me sujar lavando banheiro de médium.
Catarina, uma das médiuns que estava limpando retrucou:
-  Não precisa Francisco. Eu e Iolanda damos conta do recado. Eu trouxe  toalha de banho e roupas limpas para trocar depois da faxina. Eu já  imaginava que o Marcelo na iria conseguir limpar tudo na parte da manhã  como ele gosta, até porque ninguém consegue sozinho, por isso chegamos  cedo e trouxemos roupa.
- Mas ele podia ter avisado... Fala Francisco, contrariado com a disposição de Catarina.
- E você podia ter previsto! Solta Iolanda, já cansada das reclamações de Francisco.
Catarina faz um sinal para Iolanda, pedindo que fique quieta, mas Iolanda sacode a mão no ar em sinal de contrariedade.
Francisco  tenta esboçar alguma reação, mas é interrompido com a chegada de outros  médiuns. Assim resolve ir trocar sua roupa, resmungando em pensamento.  Vai para o vestiário masculino. Ele está irritadíssimo. Começa a tirar a  roupa profana. Ao pegar da sacola de roupa, deixa cair o jaleco no chão  que ainda está molhado em função de recente limpeza. O sangue sobe e  fica vermelho de raiva. Pega o jaleco no chão e vê o "estrago" e pensa:  "Ainda por cima serei chamado atenção porque o jaleco ficou amarrotado e  sujo, droga!"
Enquanto isso, Carolina e Iolanda terminam a  limpeza. Quase todos os médiuns já chegaram e elas vão tomar banho e se  prepararem para a sessão. O portão é aberto permitindo assim a entrada  da assistência.
O Pai Pequeno percebe que o Francisco não  está no seu posto que é junto ao portão recebendo e orientando as  pessoas. Pede que outra médium tome o seu lugar e vai a procura de  Francisco. O encontra dentro do vestiário, sentado no banco do seu preto  velho, ainda roxo de raiva. Percebe ao seu lado uma companhia invisível  sugando-lhe as energias e irradiando sentimentos de raiva e ciúme. A  energia é tão densa que até quem não é médium vidente podia ver. Respira  fundo, pois essa não é a primeira vez que acontece. Francisco olha para  o Pai Pequeno Osmar com os olhos injetados e dispara:
- Não posso entrar para a sessão. Olha o estado do meu jaleco. Está imundo!
A  essa altura o jaleco já havia até secado no corpo de Francisco e nem  parecia sujeira alguma, pois caíra em água limpa, só que em função da  sua irritação e da companhia que estava agarrada ao seu perispírito ele  não percebera isso.
Osmar olha o jaleco e diz:
- Do que você está falando Francisco? Não tem nada no seu jaleco. Ele está limpo!
Francisco  olhou para o jaleco, mas a sua visão estava deturpada em função da  atuação nefasta do trevoso que o sugava e sugestionava, assim, ele viu  sujeira física onde tinha sujeira espiritual. Na sua visão o jaleco  estava praticamente todo sujo amarronzado. Olhou novamente para o Pai  Pequeno sem acreditar no que ouvira e dispara novamente, dessa feita já  perdendo o respeito pelo Pai Pequeno:
- Será que você está cego? Se você considera isso limpo imagino como é a sua casa!
Percebendo  o objetivo do espírito que acompanhava Francisco, Osmar respira fundo e  usando de sua autoridade de Pai Pequeno diz com energia:
-  Francisco! Tenha paciência! Você é médium antigo da Casa e me conhece  muito bem. Se sua roupa estivesse suja eu seria o primeiro a dizer.  Portanto, pare de palhaçada e entre já para o terreiro. Fique lá dentro e  peça a Zambi, aos Orixás e entidades que tire do seu coração esse  sentimento ruim. Firme seu Anjo da Guarda. Limpe-se interiormente, pois  se tem alguma coisa suja aqui é o seu coração e pensamento.
Ao  ouvir o tom de voz de comando de Osmar, Francisco se levanta em  silêncio, lava o rosto, penteia os cabelos e vai para dentro do  terreiro. Nesse instante, o espírito que o acompanhava afasta-se, e  Francisco lembra-se que nem havia "batido cabeça" no gongá. Reza para o  seu Anjo Guardião e sente um alívio no peito. Olha para o seu jaleco e  vê que está limpo.
O Pai no Santo entra no terreiro e dá o  sinal de que a sessão vai começar. Percebe a ausência de Marcelo e  pergunta a Osmar se ele sabe onde Marcelo está. Osmar que diz que  Marcelo veio na parte da manhã limpar o terreiro, mas que não havia  chegado ainda. Na verdade o cansaço e o estresse da semana havia tomado  conta de Marcelo e a egrégora da Casa aproveitou a oportunidade do sono  dele para reenergizá-lo durante a gira.
A sessão tem início e  transcorre normalmente. Francisco não estava bem para trabalhar na  consulta e foi orientado por Osmar para cambonar Pai Joaquim, o preto  velho que trabalha com Osmar.
Ao final das consultas, Pai Joaquim dá um passe em Francisco e diz:
-  Fio, cada gira, cada sessão, cada consulta é oportunidade única de  trabalho, de elevação e de aprendizado. Suncê hoje desperdiçou a  oportunidade de ser vibracionalmente abraçado pelo preto velho que  trabalha com suncê... E sabe por que? Por que ao invés de vir pro  terreiro com o pensamento voltado e aberto para o aprendizado, veio  pensando num jeito de desfazer a imagem positiva que o menino Marcelo  tem de todos aqui dentro.
Sem graça com a colocação do preto velho, Francisco retruca sem pensar muito:
-  Que isso meu velho? Eu não preciso disso e nem estava pensando nisso.  Ele nem veio a gira hoje. Por que eu me preocuparia com ele, se nem veio  fazer caridade?
Calmamente o preto velho fala:
-  Não veio fazer caridade, fio? Então escuta atentamente esse nêgo véio.  Se todos nós hoje pudemos pisar num chão e chegar num ambiente  fisicamente limpo, foi graças ao menino Marcelo. Isso é caridade fio! E  suncê? Fez o que? Falou mal dele, se desequilibrou, permitiu a entrada  de um espírito trevoso no templo sagrado do seu corpo, desacatou o pai  pequeno e não trabalhou com seu preto velho incorporado. Então fio...  Responde com sinceridade prá esse nêgo véio: Quem não fez caridade?
Saravá Preto Velho!
Em 30/05/2008 - Médium Mãe Iassan
 
Salve Vovó...

.png)











 








Nenhum comentário:
Postar um comentário