Fé Racional

"Em lugar da fé cega que anula a liberdade de pensar, ele diz: Não há fé inquebrantável senão aquela que pode olhar a razão face a face em todas as épocas da Humanidade. À fé é necessária uma base, e essa base é a inteligência perfeita daquilo que se deve crer; para crer não basta ver, é necessário, sobretudo, compreender. A fé cega não é mais deste século; ora, é precisamente o dogma da fé cega que faz hoje o maior número de incrédulos, porque ela quer se impor e exige a adição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio." (O Evangelho Segundo o Espiritismo.)

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A Umbanda não é responsável pelos absurdos praticados em seu nome, assim como Jesus Cristo não é responsável pelos absurdos que foram e que são praticados em Seu nome e em nome de seu Evangelho. Caboclo Índio Tupinambá.

sábado, 12 de maio de 2012

Curadores de Dores



Sexta-feira Santa. A corrente mediúnica se reúne para falar sobre Jesus e sobre seu Renascimento através da passagem (Páscoa).

Um palestrante irradiado por seu guia espiritual explanou sobre a vida do Mestre e sobre sua trajetória terrena de forma iluminada. Depois um pequeno ritual com os elementos e a distribuição de grãos de uvas imantadas, simbolizando a comunhão entre os irmãos ali presentes.

Uma atmosfera de brandura e paz se fez no ambiente, podendo-se sentir a presença dos espíritos luzeiros assistindo o evento, bem como o amparo àqueles que do outro lado, ali estavam buscando conforto para suas almas. Já era hora de encerrar, quando a médium sentiu as vibrações fortes de sua protetora e sua necessidade de se fazer presente no local, através daquela mediunidade. Era a preta velha, Vovó Benta que nos trazia a bênção de sua presença sempre tão bem vinda:

-Salve os filhos deste terreiro! Negra Velha é muito “inxirida” e não podia deixar passar essa oportunidade sem lhes dar uma mensagem. Até porque, o faço a pedido do Sr.Xangô que é o regente oficial desta casinha de caridade. Primeiramente, em nome dos espíritos que trabalham junto a vós, agradeço pelo momento de luz que criaram, propiciando auxílio a tantos quantos nem imagineis. E, com a permissão do Sr. Xangô, essa negra precisa lhes contar uma pequena história sobre a falta de humildade que já carregou na vida. -Nos idos tempos da escravidão, este espírito ocupava um corpo físico de formas perfeitas e o exibia não só entre os negros da senzala que disputavam até um olhar seu, como também provocava o sinhozinho e seus capatazes brancos. A sensualidade era sua marca e isso transparecia desde o andar até a maneira de falar e olhar. A juventude e a beleza de sua pele negra arrecadavam para si, ciúmes e inveja das outras mulheres.

Um dia, um negrinho foi mordido por cobra venenosa e por falta de remédios e cuidados de higiene, seu pé apodrecia de infecção.

Eu era a única poupada de trabalhar na lavoura e sendo assim, me encarregaram de efetuar a higiene do pé do menino e passar o remédio que as negras haviam feito. Aquilo me anojava muito e me neguei ao trabalho. Em pouco tempo o menino morreu e então começou meu inferno. Em sonhos, eu o via chorando e se lamentando de dor e toda a alegria que eu possuía foi se indo embora.

Um dia, enquanto colhia frutas para sinhazinha, pisei num espinho venenoso e meu pé infeccionou. Remédio nenhum conseguia amenizar a dor e o inchaço. Meu remorso aumentava, pois agora mais ainda, eu sabia o que era padecer sem consolo.

Numa noite, no delírio da febre alta, senti a presença do menino morto. Ele trazia um pote de água, um pano muito alvo em suas mãos e largo sorriso no rosto.

Olhei para seus pés e eu não os enxergava, pois o negrinho flutuava numa névoa translúcida. Chegou-se até meu leito e começou a lavar meu pé, o que proporcionou alívio imediato. Enquanto fazia isso, cantarolava um lamento negro que costumávamos ouvir na senzala quando ainda éramos crianças, cantado pelos negros mais idosos. Ao terminar, o negrinho ajoelhou-se e beijou minha ferida purulenta, deixando ali sua saliva curativa e me disse:

-“Bentinha, amanhã suncê vai tá boa. Mas neguinho vai fazê pedidô: num esquece de rezá pras almas dos nego desamparado e cumeça a benze”. Me curei da ferida do pé e atendi o pedido daquele espírito.

Comecei a benzer , embora isso não aliviasse minha culpa por o ter deixado morrer. Carreguei-a além túmulo. Porém, mesmo ajudando aquele povo, a vaidade que a beleza me dava, obscurecia minha visão e fechava meus ouvidos. Não havia ainda curado a pior ferida da minha alma: - O Orgulho.

Quando cheguei no mundo dos mortos, me mostraram uma cena:

-Nosso Senhor Jesus Cristo lavando os pés dos discípulos na véspera de sua paixão e morte. Por isso meus filhos, longe de me comparar à figura transcendente de N. Senhor, eu quero neste dia, pedir licença a todos para lavar vossos pés em frente a este congá. E lavando vossos pés, quero lavar as feridas que ainda carregais na alma, para aliviar a dor desta minha ferida. E assim, provocando lágrimas de emoção, Vovó Benta solicitou um alguidar com água, colocou nele folhas de manjericão e lavou, secou e beijou os pés de cada médium da corrente.

Como médium consciente, consegui captar do espírito toda a necessidade que ela ainda trazia, - embora já tendo evoluído e estando trabalhando nesta egrégora de luz que é a linha dos Pretos Velhos - de curar sua alma ferida numa encarnação onde não se permitiu salvar uma vida. Vida essa que veio salvar a sua, demonstrando uma lição ímpar de humildade e amor incondicional. E me fez repensar naqueles mendigos mal cheirosos que encontramos nas ruas das cidades e que nos causam repulsa. Em quantos deles não estarão espíritos que, ou já nos socorreram ou servirão de socorro num futuro que pode ser amanhã?

O orgulho e a empáfia nos tornam cruéis diante da vida e dos seres. Aqui, escolhemos a dedo quem merece nosso olhar, nosso sorriso, nossa atenção, nosso respeito. De certo, da mesma forma, seremos tratados acolá. Curadores de dores... é o que deveríamos ser. Porém, muito mais somos nós, julgadores e criadores de marcas, que serão dores a drenarmos num próximo corpo, se assim tivermos a sorte de tê-lo no futuro.

Paz a todos!

Leni W.S. - Abril/2009.

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