Os sentimentos de amor, justiça, caridade e gratidão são inerentes à
natureza humana, herdeira natural do bom, do nobre, do belo.
Todavia, porque ainda se demora em crescimento de valores, mais
vinculada atavicamente aos instintos primitivos, não se manifestam essas
qualidades, que devem ser cultivadas com esforço até que se expressem por
automatismos defluentes da sua elevação interior. Em razão disso, são mais
comuns as manifestações agressivas, as rebeldias, as ingratidões que aturdem,
mantendo um clima mental e emocional belicoso entre os homens.
A ingratidão, que é desapreço, apresenta-se como grave imperfeição da
alma, que deve ser corrigida. O ingrato é enfermo que se combure nas chamas do
orgulho mal dissimulado, da insatisfação perversa. A si todos os direitos e
méritos se atribui, negando ao benfeitor a mínima consideração, nenhum
reconhecimento. Olvidando-se, rapidamente, do bem que lhe foi dispensado,
silencia-o, mesmo quando não pensa que o recebido não passou de um dever para
com ele, insuficiente para o seu grau de importância.
A ingratidão é chaga moral purulenta no indivíduo, que debilita o
organismo social onde se encontra. Assim, os ingratos são numerosos, sempre
soberbos, e auto-suficientes, em dependência mórbida, porém, dos sacrifícios
dos outros.
***
Jesus sempre admoestava os ingratos que lhe cruzavam o caminho.
Nunca lhe faltaram no ministério estes infelizes.
No admirável fenômeno de cura orgânica dos dez leprosos, patenteiam-se a
ingratidão dos beneficiados e a interrogação do Mestre, diante daquele que
havia retornado para agradecer:
—"Onde estão os outros? —Não foram dez os curados?" Nove se
haviam ido, apressados, para o gozo e a algaravia, recuperados por fora, sem
libertação da doença interna, que desaparecia somente a partir do momento em
que fossem agradecer, modificando-se psicológica e moralmente.
Na tragédia do Calvário, não se encontrava presente nenhum dos que foram
beneficiados pelas Suas mãos e estes haviam sido muitos.
Ele iluminara olhos apagados; abrira ouvidos moucos; ofertara som aos
lábios silenciosos; equilíbrio a mentes tresvariadas; movimentos a membros
mortos; vida a catalépticos; recuperação orgânica a portadores de males
inumeráveis e, no entanto, ficou esquecido por todos eles.
Não obstante o bem que receberam, fugindo do reconhecimento, os ingratos
viram-se diante de si mesmos, das consciências molestadas pelos remorsos,
tornando a enfermar e morrendo, pois que deste fenômeno biológico ninguém
escapa.
***
O Mestre conhecia as debilidades morais do homem e sempre se preocupava
em alcançá-las, a fim de que as pretendidas curas alcançassem as matrizes das
doenças, onde as mesmas se originam, erradicando-as, de modo que não voltassem
a produzir miasmas e males perturbadores.
A Sua era uma constante proposta de renovação de metas, de atitudes, de
pensamentos.
Sendo o exemplo máximo, pedia que O vissem, isto é, que Lhe tomassem a
conduta de desapego das paixões cáusticas e cuidassem de uma só coisa
necessária, que é o "reino de Deus" embutido no coração.
Na busca do mais importante, o seu encontro elimina o secundário, que
deixa de ter valor, para ceder lugar ao essencial, que é o necessário. Os
homens, porém, na superficialidade dos seus interesses, anelam apenas pelo
imediato, que lhes satisfaz num momento, deixando-os ansiosos outra vez. Por
imaturidade espiritual, ceifam a árvore de onde retiram os frutos de hoje,
acreditando, com ingenuidade, que não terão fome amanhã. E quando esta se
apresenta novamente, não têm onde recolher o alimento.
Assim agem os ingratos. Toldam a água da fonte que os dessedentou;
queimam o trigal que lhes deu o pão; cortam a planta frutífera que os
alimentou; afastam o amigo generoso que os socorreu. Em contrapartida, vivem a
sós, amesquinhados em si mesmos por conhecerem o íntimo. Desconfiados,
neurotizam-se; arbitrários, são desamados; soberbos, passam ignorados.
***
Não te
preocupes com os ingratos dos teus caminhos de amor. Prossegue, ofertando luz,
sem te inquietares com a teimosia da treva. Onde acendas uma lâmpada, a
claridade aí derramará dádivas. Os teus beneficiários que te abandonaram,
esqueceram ou se revoltaram contra ti, aprenderão com a vida e compreenderão,
mais tarde, o que fizeram. Recordarão das tuas atitudes e buscarão passar
adiante o que de ti receberam. Não é, portanto, importante, o tratamento que te
dêem em retribuição, mas sim, o que prossigas fazendo por eles.
Livro: Jesus e Atualidade
Joanna de Ângelis & Divaldo P. Franco
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