Hoje
em dia, quando falamos em religião, os questionamentos são diversos. A
principal questão levantada refere-se à função da mesma nesse início de
milênio.
Tentaremos
nesse texto, de forma panorâmica, levantar e propor algumas reflexões a esse
respeito, tendo como foco do nosso estudo a Umbanda.
O
que a religião e, mais especificamente, a religião de Umbanda, pode oferecer a
uma sociedade pós-moderna como a nossa? Como ela pode contribuir junto ao ser
humano em sua busca por paz interior, desenvolvimento pessoal e
auto-realização?
Quais
são suas contribuições ou posições nos aspectos sociais, em relação aos grandes
problemas, paradoxos e dúvidas, que surgem na humanidade contemporânea?
Existe
uma ponte entre Umbanda e ciência (?) _ algo indispensável e extremamente útil,
nos dias de hoje, a estruturação de uma espiritualidade sadia.
O
principal ponto de atuação de uma religião está nos aspectos subjetivos do
“eu”. Antigamente, a religião estava diretamente ligada à Lei, aos controles
morais e definição de padrões étnicos de uma sociedade _ vide os dez
mandamentos e seu caráter legislativo, por exemplo. Hoje, mais que um padrão de
comportamento, a religião deve procurar proporcionar “ferramentas reflexivas”
ou “direções” para as questões existenciais que afligem o ser humano. Em
relação a isso, acreditamos ser riquíssimo o potencial de contribuição do
universo umbandista, mas, para tanto, necessitamos que muitas questões, aspectos
e interfaces entre espiritualidade umbandista e outras religiões e ciência
sejam desenvolvidos, contribuindo de forma efetiva para que a religião
concretize um pensamento profundo e integral em relação ao ser humano,
assumindo de vez uma postura atual e vanguardista dentro do pensamento
religioso. Entre essas questões, podemos citar:
_
Um estudo aprofundado dos rituais umbandistas, não apenas em seus aspectos
“magísticos”, mas também em seus sentidos culturais, psíquicos e sociais. Como
uma gira de Umbanda, através de seus ritos, cantos e danças, envolve-se com o inconsciente
das pessoas? Como podem colaborar para trabalhar aspectos “primitivos” tão
reprimidos em uma sociedade pós-moderna como a nossa? Como os ritos ganham um
significado coletivo, e quais são esses significados?
Grandes
contribuições a sociologia e a antropologia podem dar à Umbanda.
_
Uma ponte entre as ciências da mente – como a psicanálise, psicologia – e a
mediunidade, utilizando-se da última também como uma forma de explorar e
conhecer o inconsciente humano. Mais do que isso, os aspectos psicoterápicos de
uma gira de Umbanda e suas manifestações tão míticas-arquetípicas. Ou será que
nunca perceberemos como uma gira de “erê”, por exemplo, além do trabalho
espiritual realizado, muitas vezes funciona como uma sessão de psicoterapia em grupo?
_ A
mediunidade como prática de autoconhecimento e porta para momentâneos estados
alterados de consciência que contribuem para o vislumbre e o alcance permanente
de estágios de consciência superiores. Além disso, por que não a prática
meditativa dentro da Umbanda (?) _ prática essa tão difundida pelas religiões
orientais e que pesquisas recentes dentro da neurociência demonstram de forma
inequívoca seus benefícios em relação à saúde física, emocional e mental.
_
Uma proposta bem fundamentada de integração de corpo-mente-espírito.
Contribuição muito importante tanto em relação ao bem estar do indivíduo, como
também dentro da medicina, visto que a OMS (Organização Mundial da Saúde) hoje
admite que as doenças tenham como causas uma série de fatores dentro de um
paradigma bio-psíquico-social caminhando para uma visão ainda mais holística,
uma visão bio-psíquico-sócio-espiritual.
_ O
estudo comparativo entre religiões, com uma proposta de tolerância e respeito
as mais diversas tradições. Por seu caráter sincrético, heterodoxo e
anti-fundamentalista, a Umbanda tem um exemplo prático de paz as inúmeras
questões de conflitos étnico-religiosos que existem ao redor do mundo.
_ A
liberdade de pensamento e de vida que a Umbanda dá as pessoas também deveria
ser mais difundido, visto que isso se adapta muito bem ao modelo de
espiritualidade que surge como tendência nesse começo de século XXI. Parece-nos
que a Umbanda há muito tempo deixou de lado a velha ortodoxia religiosa de “um
único pastor e único rebanho”, para uma visão heterodoxa de se pensar
espiritualidade, onde ela assume diversas formas de acordo com o estágio de
desenvolvimento consciencial de cada pessoa, o que vem de encontro – por
exemplo – com as idéias universalistas de Swami Vivekananda e seu discurso de
“uma Verdade/Religião própria para cada pessoa na Terra”. E a Umbanda, assim
como muitas outras religiões, pode sim desenvolver essa multiplicidade na
unidade.
_ O
resgate do sagrado na natureza e o respeito ao planeta como um grande organismo
vivo. Na antiga tradição yorubana tínhamos um Orixá chamado Onilé, que
representava a Terra planeta, a mãe Terra. Mesmo que seu culto não tenha se
preservado, tanto nos candomblés atuais como na Umbanda, através de seus outros
“irmãos” Orixás, o culto a natureza é preservado e, em uma época crítica em
termos ecológicos, a visão sagrada do planeta, dos mares, dos rios, das matas,
dos animais, etc - ganha uma importância ideológica muito grande e dota a
espiritualidade umbandista de uma consciência ecológica necessária.
_ O
desenvolvimento de uma mística dentro da Umbanda, onde elementos pré-pessoais
como os mitos e o pensamento mágico-animista, possam ser trabalhados dentro da
racionalidade, levando até mesmo ao desenvolvimento de aspectos transpessoais,
transracionais e trans-éticos dentro da religião. A identificação do médium em
transe com o Todo através do Orixá, a trans-ética que deve reger os trabalhos
magísticos de Umbanda, os insights e a lucidez verdadeira que levam a mente
para picos além da razão e do alcance da linguagem, o fim da ilusão dualista
para uma real compreensão monista através da iluminação, são exemplos de
aspectos transpessoais que podem ser (e faltam ser) desenvolvidos dentro da
religião.
_
Os aspectos culturais, afinal Orixá é cultura, as entidades de Umbanda são
cultura o sincretismo umbandista é cultura. Umbanda é cultura e é triste
perceber o descaso, seja de pessoas não adeptas, como de umbandistas, que
simplesmente não compreendem a importância cultural da Umbanda e da herança
afro-indígena na construção de uma identidade nacional. A arte em suas mais variadas
expressões tem na Umbanda um rico universo de inspiração. Cabe a ela apoiar e
desenvolver mais aspectos de sua arte sacra.
Essas
são, ao nosso entendimento, algumas das “questões-desafios” que a Umbanda tem
pela frente, principalmente por ser uma religião nova, estabelecendo-se em um
mundo extremamente multifacetado como o nosso. Muito mais poderia e com certeza
deve ser discutido e desenvolvido dentro dela.
Apenas
por essa introdução já se pode perceber a complexidade da questão e como é
impossível ter uma resposta definitiva a respeito de tudo isso. Muitos podem
achar que o que aqui foi dito esteja muito distante da realidade dos terreiros.
Mas acreditamos que a discussão é pertinente, principalmente devido ao
centenário, onde muito mais que festas, deveríamos aproveitar esse momento para
uma maior aproximação de ideais e pessoas, além de uma sólida estruturação do
pensamento umbandista. Esperamos em outros textos abordar de forma mais
profunda e propor algumas idéias a respeito das questões e relações aqui
levantas. Esperamos também que outros umbandistas
Por Fernando Sepe
A cada novo post vejo que tenho muito que apreender com essa religião, no qual estou me identificando muito
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