Texto de Fernando Sepe, retirado do material de apoio do Curso Arquétipos da Umbanda, oferecido pelo Instituto Cultural Aruanda. Inscreva-se! Ainda há tempo!
Podemos dizer, inspirados pela doutrina hindu, que quatro são os
caminhos que levam a Deus: o conhecimento, o amor, a ação e o exercício
espiritual. Creio que esse tipo de consideração é de extrema importância e
possa ser utilizado como base para pensarmos o caminho umbandista. Mas,
primeiramente, apresentemos resumidamente esses quatro caminhos:
>> O CAMINHO DO CONHECIMENTO (jnana): é o caminho do filósofo
místico. Através do discernimento espiritual o Ser rompe a ilusão da
identificação com o eu ilusório (ego) e identifica-se com sua
natureza infinita, vasta e verdadeira. O Deus pessoal se torna impessoal e
o praticante se reconhece Nele.
>> O CAMINHO DO AMOR (bhakti): é devocional. Devota-se a uma
divindade pessoal, com tanto amor, que se perde o ego nessa imensa
louvação. Ama-se Deus acima de tudo e todos os nossos outros amores são
frutos desse amor primordial. Aqui, Deus é pessoal e o praticante não tem
a intenção de se fundir nele, mas sim de viver nesse amor, o que é
tradicionalmente representado da seguinte forma: “quero sentir o doce do
açúcar, não ser o açúcar”.
>> O CAMINHO DA AÇÃO (karma): é aquele onde o ser atua no mundo,
trabalha e realiza, mas desapega-se do fruto de seu trabalho. Basicamente,
essa prática “mata o ego de fome”, utilizando-o para viver bem colocado no
mundo, mas recusando todo fruto e benefício pessoal adquirido. É o caminho da
caridade.
>> O último CAMINHO É O DO EXERCÍCIO ESPIRITUAL (raja): do
empirismo místico. Nele, praticam-se exercícios espirituais tendo o
objetivo de ir além da mente racional e do nosso eu pessoal,
conhecendo, integrando e vivendo nosso eu transpessoal ou divino. O
exercício espiritual pode ser bem exemplificado com a prática da yoga, o
zazen, a prece contemplativa do cristianismo, a dança dervixe sufi etc. Esse
caminho trespassa pelos outros três.
Bom, mas o que isso tem a ver com Umbanda? Tudo! Vejamos a palavra de
seu fundador, o senhor caboclo das Sete Encruzilhadas: “Umbanda é amor
e caridade”. Ora, o que aqui ele nos diz claramente é: a Umbanda é uma
religião baseada em uma síntese do caminho da devoção (amor) com o caminho da
caridade (ação).
Simples, muito simples. Mas, apesar dessas palavras serem muito
conhecidas dentro da Umbanda, poucos realmente entendem com profundidade o
que elas representam. Tentarei ser o mais claro possível a esse respeito.
Peguemos os grandes representantes da Umbanda, seus verdadeiros mestres.
Falo, claro, dos caboclos e pretos-velhos. Toda prática espiritual deles é
baseada nesses dois princípios: amor (devoção) e caridade (ação). Devoção
ao Orixá a quem respondem, ao ponto de não trabalharem nunca com seus nomes
pessoais (símbolo do ego), mas sim, com nomes simbólicos, pois se sentem e
atuam unidos pelo amor do Orixá. Um guia dentro da Umbanda realiza o
trabalho pelo Orixá, com a consciência do Orixá, no axé do Orixá. É um
devoto como os médiuns também são.
Caridade, ou ação, é a palavra de ordem e por isso dizemos que o guia
vem trabalhar. E nesse trabalho eles não recebem nada em troca, ou talvez
até recebam, mas isso pouco ou nada importa. E quando os agradecemos, as
palavras normalmente escutadas são: “agradece a Deus, filho; nêgo apenas cumpre
sua obrigação”; ou ainda um simples sorriso sereno.
O que eu gostaria de chamar atenção é para o fato de que se os guias
espirituais são mestres ou caminhantes espirituais, a maioria dos médiuns
não o são!
Simplesmente, temos um déficit muito grande do entendimento real que se
deve ter ao se dedicar à disciplina umbandista.
Em última análise, a Umbanda deveria ser um caminho para que seus
praticantes se tornassem como os caboclos e pretos-velhos. Sim, a Umbanda
é uma religião de transformação e essa transformação deve ser calcada no
exemplo deles. Só então o caminho se abre para o médium, para que
ele realmente entenda os fundamentos, princípios e objetivos mais
importantes de sua prática.
Vejamos:
<> A caridade do trabalho mediúnico deve ser utilizada para “matar
o ego de fome”. De grande auxílio é a indiferença ou a ingratidão daquelas
pessoas as quais seus guias tanto ajudaram. Elas te ensinam a única
coisa importante desse caminho: Trabalhar e agir, simplesmente. Sem a
prensa da eficiência, sem o apego aos frutos. Os frutos são sempre dos
Orixás.
<> Agir não apenas no terreiro, mas no mundo. Ética e moralidade
são pressupostos básicos dentro de qualquer religião. Desapego também.
Caridade é agir desinteressadamente no terreiro, na empresa onde
você trabalha ou em qualquer lugar do mundo. É um estado de ser. Leve isso
para onde você for. Não se esqueça: um caboclo ou preto-velho se comporta
da mesma forma em seu terreiro, em sua casa, ou no terreiro do amigo, pois
essa é a natureza dele, seu estado de espírito constante.
<> “O caminho da magia é como andar sobre uma navalha”. O velho
axioma hermético alerta-nos sobre o perigo do ego. A magia não é um fim,
apenas um meio. Além disso, o que o ego pode fazer por si? A
prática magística verdadeira derivaria de um estado de consciência maior,
onde o Todo-Orixá age, não o eu relativo. Na Umbanda, a magia deve ter
como mestre e condutora a noção de ação desapegada, ou não ação.
<> Deve-se aprender a amar e louvar os Orixás de coração. A dor,
as perdas e dificuldades podem ajudar a despertar esse amor. Porém, não
faça do Orixá uma entidade superior com a qual você barganha favores
e pedidos. Essa é apenas a fase inicial. Quando o amor verdadeiro surgir,
o Orixá transforma-se em seu amante, em seu irmão, em seu melhor amigo, ou
seu pai/mãe infinitamente bondoso. O médium em seus cantos,
giras, firmezas, trabalhos e manifestações deve aprender a sentir a
unidade no amor do Orixá. Sua natureza infinita, vasta, original. Orixá é
Deus manifestado. Mergulhe, experimente, dance junto Deles. Quando isso
acontece o médium finalmente entende o que é o Orixá.
<> Leve o bem amado por onde for. Não apenas no terreiro, pois se
apaixonar pelos Orixás é se apaixonar pela Vida. Viva Neles, por Eles e
com Eles. Perca-se e se ache Neles. Chore e sorria com Eles. Durma, acorde
e se alimente Deles. Esse é o ideal de devoção. Um amor sutil como os
lírios de Oxum, mas forte e determinado como os olhos de Ogum.
<> DOIS ALERTAS: Cuidado com o fanatismo e principalmente com o
erro de confundir a realidade infinita com seus símbolos. Os rituais,
oferendas, imagens etc. não são fins últimos. Eles são apenas trampolins para
a realidade que não é tangível. Potencializadores do axé, mas não o
próprio axé. Como diz a conhecida oração: “Deus, perdoa três pecados que
se devem às minhas limitações humanas; Tu estás em toda parte, mas eu Te
adoro aqui neste templo; Tu não tens forma, mas eu Te adoro nestas formas; Tu
não precisas de louvor, mas eu te ofereço estas preces e louvores. Senhor,
perdoa três pecados que se devem às minhas limitações humanas”.
Creio que essa rápida e superficial introdução ao assunto já dá aos
umbandistas uma ideia do comprometimento real que a Umbanda espera de seu
praticante. Literalmente, ela funciona como uma escola que tem como
objetivo fazer com que os médiuns alcancem as qualidades morais e éticas dos
caboclos e pretos-velhos, assim como sua lucidez e iluminação
espiritual. Com isso, a compaixão surge e o caminho deixa de ser um
fim, para ser o começo do trabalho incansável de auxílio a todos os seres
sencientes desse ou de outros mundos e planos de manifestação. Porém, para
tanto, deve-se refletir e praticar aquilo que é o objetivo da Umbanda –
amor e caridade – ou: união mística amorosa com Deus através de suas manifestações
Orixás e trabalho desapegado. É assim que um caboclo ou preto-velho nasce.
É por isso que um caboclo e preto-velho vive…
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